Autor: Daniel Oliveira da Paixão
Começa a ecoar no país vozes ora a favor, ora contra a legalização da prostituição como profissão. Fala-se, por aí, entre os que defendem a ideia, que vamos apenas deixar de lado a hipocrisia e regulamentar uma profissão que já existe e é uma das mais antigas do mundo. Entre os que são contra a legalização da prostituição como profissão, grupo no qual me incluo, há uma diversidade de razões para justificar suas opiniões.
Ouvindo alegações de lideranças eclesiásticas e das pessoas cristãs de um modo geral, percebo que a maior razão para que não se apoie tal ideia é a de cunho moral, religioso. Como cristão também vejo razões morais para se condenar a prostituição. Mas se há uma coisa que eu não costumo confundir é a religiosidade de um povo com leis civis. Sou totalmente contrário a qualquer tentativa de atrelar as leis do Estado a qualquer religião, mesmo que seja a minha. Eu devo ter plena liberdade de professar a minha fé, assim como as demais pessoas têm sua opção de escolha e inclusive o direito de não seguir religião alguma. Portanto, não é por razões religiosas que eu me coloco contra a legalização da prostituição.
Sou de opinião de que não devo me importar com o que as pessoas fazem da vida delas, desde que seus atos não interfiram na dignidade alheia e nem atentem diretamente contra sua saúde ou a sua vida – já que a vida é o bem mais precioso que qualquer um pode ter. Então, deixando de lado minhas convicções religiosas (que me fazem repudiar a prostituição baseando-se apenas em meus princípios morais, mas que não me dão o direito de me impor sobre quem não partilha desses mesmos valores), eu condeno a legalização da prostituição por considerar que tal lei afrontaria diretamente o direito de terceiros. Como assim? Em que a legalização da prostituição afetaria a vida de outras pessoas? Fácil explicar: sendo a prostituição legalizada, a mulher estaria exposta a situações de profundo constrangimento. Não vou me aprofundar sobre o tema, pois requereria muito espaço para detalhar. Mas, em linhas gerais, asseguro que nem aquelas que hoje se prostituem seriam beneficiadas em nada. Na Holanda, onde a prostituição é legalizada, as prostitutas passaram a sofrer muito mais discriminação a partir de então. Agora elas não têm mais o benefício da discrição.
Por mais que dizemos viver em uma sociedade liberal, imaginem os senhores a situação de alguém que, ao se identificar em uma repartição pública ou comercial, mencione que exerça a profissão de prostituta (ou algum nome substitutivo como Escort ou acompanhante)! Além disso, imagino que sendo a prostituição uma profissão, qualquer mulher poderia ser alvo de abordagem nas ruas por alguém na condição de cliente interessado em saber se ela seria uma profissional. É obvio que isso seria tremendamente desconfortável.
Em vez de criar esse tipo de regulamentação, porque não se preocupar com coisas mais práticas, como o combate à violência contra a mulher? Inclusive a violência absurda contra aquelas que, vítimas de extrema pobreza, são obrigadas a se prostituir? Vou mais além. É dever do Estado, isto sim, proteger inclusive aquelas mulheres que, por opção, decidem se prostituir. Há contradição nisso que digo? Talvez aparentemente sim. Mas vejamos o lado razoável. Tudo bem que como cristãos não apoiamos e nem incentivamos ninguém a se prostituir e sempre que possível, podemos dar nossa opinião para que abandonem esse tipo de vida. Mas não podemos fingir que não existem milhões de mulheres que se prostituem também por opção própria. E elas, como cidadãs, também têm o direito de proteção do Estado para que a sua integridade física seja garantida.
O tema prostituição sempre foi um problema grave para os cidadãos e para os governantes, pois estamos diante de um dilema e de uma situação real da qual não podemos fugir. Mas como regulamentar algo que, em sua ampla maioria, só existe por culpa da própria sociedade em razão da escandalosa concentração de renda nas mãos de poucos e a pobreza extrema e desumana de muitos? – Notem que eu disse maioria porque não podemos ignorar que há uma parcela de pessoas que, deliberadamente, adotam a prostituição como opção de vida – obviamente porque esse mercado pode ser extremamente lucrativo para essa minoria.
É por razão como essas que, mesmo contrariando a minha ética cristã, sou forçado a acreditar que, muito embora seja algo completamente contra a dignidade humana regulamentar a prostituição, temos de criar um meio termo para lidar com essa situação. Entendem o que quero dizer? Quem defende a prostituição como profissão está reivindicando direitos, mas pelo caminho errado. O problema, a meu ver, é que mesmo que jurisprudencialmente não se considere hoje a prostituição como crime, muitas autoridades ainda consideram a prostituição como crime e é isso que faz com que essas mulheres que optam pelo caminho do sexo consentido por dinheiro fiquem completamente relegadas à própria sorte, sem condição até de requerer proteção policial e da justiça quando sentirem que seus direitos estão sendo violados.
É isso! Eu disse que não queria me estender muito sobre o assunto. Mas o tema é demasiadamente complexo, pois tem a ver com os nossos valores, mas também com o direito alheio de viverem a vida como quiserem, desde que os seus direitos não impliquem em violar direitos alheios. O que para uns é abominação, para outros é apenas opção de vida. E eu respeito isso. Sou muito consciente disso e valorizo uma sociedade laica, onde a religião seja um direito, mas nunca um dever. Defendo uma sociedade onde eu mantenha a minha fé, possa ter orgulho de minha religião e professá-la abertamente, mas também onde eu tenha de ser consciente de que o Estado deve valer-se de uma ética coletiva, consensual, mas que seja capaz de garantir que liberdades individuais não criem embaraços a outros indivíduos. Então, digamos não à legalização da prostituição como profissão, mas condenemos qualquer forma de violência, inclusive policial, contra quem se prostitui, seja por razões de necessidade ou por opção.